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Ouvintismo e o preconceito contra as pessoas surdas

No centro, a ilustração de duas mãos presas por uma corda. Acima, uma boca aberta falando. Ao redor, símbolos da Libras com marcados como proibidos.

Infelizmente, o preconceito ainda é uma concepção muito presente no nosso dia a dia. Ele existe de várias formas, oprimindo e ofendendo diversos grupos, como as mulheres, pessoas negras, membros da comunidade LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência e por aí vai. Hoje, vamos te explicar um pouquinho mais sobre o preconceito contra as pessoas surdas, também conhecido como ouvintismo ou também audismo, porém o primeiro termo é o mais utilizado

Se antes de continuar a leitura você queira conhecer mais sobre a comunidade surda, separamos 5 fatos que você deveria saber sobre ela, para começar a desconstruir alguns preconceitos que talvez você nem imaginava que tivesse.

Afinal, o que é ouvintismo?

Para entender o conceito de ouvintismo, precisamos partir da noção de que o mundo foi construído por e para pessoas ouvintes. Nesse cenário, é como se pessoas surdas e com deficiências auditivas não fossem consideradas por suas identidades, como se enxergam dentro da comunidade, e sim entendidas como “não-ouvintes”. É como se elas estivessem erradas ou fossem inferiores por não ouvirem. O ouvintismo entende o mundo a partir da percepção da pessoa ouvinte, e de como ela encara as situações e ambientes ao seu redor. Nessa lógica, a pessoa surda é o elemento que não se encaixa, que está fora do padrão socialmente aceito. Sendo assim, precisam a qualquer custo se tornarem ouvintes em potencial, passando pelo processo da oralização, aprendendo leitura labial e se adequando à comunicação oral. 

Ser ouvinte passou a ser sinônimo de ser normal. Esse padrão que temos na sociedade hoje, faz com que muitas pessoas com deficiência auditiva sejam negadas de se perceberem e se afirmarem positivamente como parte da comunidade surda. Essa construção sociocultural acaba criando um ambiente muito difícil de exclusão, rejeição e invisibilidade das pessoas surdas. Inclusive, o ouvintismo chega até a privá-las da sua língua, que é um pedaço gigantesco da sua identidade e cultura.

Entendendo sobre o privilégio ouvinte

Você sabia que as Línguas de Sinais, na sua maioria usadas pela comunidade surda para se comunicar, foram proibidas em 1880? Esse é só um exemplo de várias das privações linguísticas que as pessoas surdas sofrem no dia a dia. Pensando nisso, é nítido que as pessoas ouvintes vão usufruir de mais privilégios, já que não possuem tantas barreiras para enfrentar o tempo inteiro. 

Um bom exemplo para você entender como esses privilégios funcionam na realidade, é a prática de cripface. Esse termo surgiu nos Estados Unidos, unindo as palavras crippled (deficiente) e face (rosto). Ele é muito presente na indústria audiovisual e do entretenimento, quando atores sem deficiência interpretam personagens com deficiência. Isso é um grande problema, porque acaba retratando as pessoas dessa comunidade de forma ofensiva e capacitista. Além do que, o próprio fato de não contratar atores com deficiências para essas produções já é um ato capacitista em si, porque é baseado na ideia de que eles não são capazes de dar conta desse tipo de trabalho. 

São inúmeras as vezes em que pessoas ouvintes ocupam indevidamente os espaços das pessoas surdas, principalmente no ambiente de trabalho. Em lugares em que a oferta de emprego já não é grande, elas ainda são prejudicadas a favor do privilégio ouvinte. Um dos casos mais frequentes acontece para vagas de intérpretes ou professores de Libras (Língua Brasileira de Sinais). As organizações preferem contratar pessoas ouvintes, porque acreditam que elas vão conseguir se comunicar melhor com o restante do público, também ouvinte. Elas fazem isso ao invés de escolher pessoas surdas, que muitas vezes têm sua cultura e identidades baseadas na Libras. 

Recentemente, também veio à tona a expressão deaf money, mas o que isso significa? Assim como com tantos outros grupos, as empresas se aproveitam das pessoas surdas para lucrar em cima delas, sem realmente estarem preocupadas com as causas defendidas por essa comunidade. É muito comum, por exemplo, encontrarmos cursos de Libras oferecidos por pessoas ouvintes, com a promessa de fluência no idioma em tempo recorde, e ainda cobrando preços abusivos. As pessoas por trás de ações desse tipo apenas usam as pessoas surdas como estratégia para ganhar dinheiro e fama, sem estarem envolvidas com a comunidade, ou a apoiarem. Por conta disso, foi criado o lema “Nada sobre nós, sem nós”, que defende a presença das pessoas surdas e com outras deficiências nos espaços que pertencem à elas. Se estamos tratando de algo sobre elas, por que excluí-las? 

As situações em que observamos o privilégio ouvinte são bastante frequentes. Ainda, as dificuldades de comunicação para pessoas surdas se tornam praticamente inevitáveis em um mundo que só aceita ser ouvinte. Acontece quando uma pessoa surda, que se comunica principalmente em Libras, precisa ir ao hospital, à delegacia, a uma loja, à escola, ou até em rodoviárias e aeroportos, em que os anúncios são normalmente apenas sonoros. Você percebe como o privilégio ouvinte pode tirar a liberdade e autonomia de quem faz parte da comunidade surda?

O preconceito linguístico sofrido pelas pessoas surdas

Bom, a ideia de preconceito você já conhece, mas sabe dizer no que consiste o preconceito linguístico? Basicamente, é uma forma de discriminação social pautada em julgar as pessoas pelo jeito como elas se comunicam. Isso pode acontecer tanto pela outra pessoa usar termos que você acha que são errados ou indevidos, por ela não dominar bem o idioma em que está falando, ou simplesmente por se comunicar em outra língua diferente da sua. Por exemplo, dentro do Brasil, pessoas nordestinas costumam sofrer muito com esse tipo de preconceito. Elas são xingadas e ofendidas apenas por possuírem um sotaque marcante e linguagem diferente do resto do país.

Esse também é um fenômeno que acontece bastante com pessoas surdas sinalizantes, que no Brasil, falam principalmente Libras. Como elas não dominam bem o português, são vistas como inferiores, incompletas, incompetentes, burras, e tantas outras noções negativas que nascem desse preconceito. 

Ainda, as pessoas surdas, e também pessoas com outras deficiências, sofrem do capacitismo linguístico. Isso acontece quando as pessoas usam jargões ou ditados capacitistas, que funcionam quase como gírias. Essas expressões vão ganhando popularidade dentro da sociedade, mesmo que às vezes as pessoas não entendam bem o significado por trás das palavras, e usem esses termos sem muita consciência.

Será que o que eu estou falando é capacitista?

Esse tipo de linguagem capacitista incentiva uma cultura de exclusão que só se fortalece. Mais uma vez, percebemos os reflexos da cultura de ouvintismo em que vivemos, inferiorizando as pessoas surdas. Para garantir que a gente não continue repetindo esses termos preconceituosos, separamos algumas expressões capacitistas que você não deve nunca mais usar:

  • Conversa de surdos: normalmente, essa expressão é usada quando as pessoas que estão conversando não conseguem se entender. Então vamos reforçar, as pessoas surdas conseguem se comunicar muito bem. A única diferença é que fazem isso em uma língua que não é muito aceita pelas pessoas ouvintes.
  • Se fazer de surdo: quando alguém ouve algo, e prefere ignorar ou não dar atenção a essa informação, as pessoas dizem que ele está se “fazendo de surdo”. Isso só mostra o preconceito contra as pessoas surdas, que têm sua deficiência auditiva associada a ignorância intencional.
  • Achei que você era normal, não tem cara de surda: como falamos ali em cima, pessoas ouvintes se tornaram sinônimo de normalidade. Logo, nessa lógica, pessoas surdas são anormais e estão erradas. Além do que, não existe uma “cara de surda”. Isso é apenas um estereótipo preconceituoso colocado nelas.
  • Você nem parece que é surda, até sabe falar: novamente, essa é a reprodução de uma noção errada da surdez. A maioria das pessoas com deficiência auditiva possui a fala, mas na maioria das vezes não a utiliza, por preferir se comunicar em Línguas de Sinais. Ou seja, o termo surdo-mudo, ou chamar alguém de mudinho, também está errado.
  • É melhor ser surdo do que ouvir isso: quando alguém reproduz essa expressão, reforça a ideia de que a surdez é um fator limitante e degradante na vida de uma pessoa. Também, ajuda a fortalecer o ouvintismo, pensando que pessoas ouvintes são superiores às pessoas surdas e com deficiência auditiva.

O ouvintismo parece estar em todo lugar, mas agora que você já entende mais desse tema, é seu papel agir contra esses preconceitos contra a comunidade surda. Um ótimo primeiro passo é começar a aprender Libras, trabalhando pela inclusão das pessoas surdas no nosso dia a dia. Você pode fazer isso agora mesmo, com o Hand Talk App, um aplicativo gratuito de traduções automáticas em Línguas de Sinais. 

Se quiser se aprofundar mais no tema de ouvintismo e preconceitos linguísticos, deixamos aqui algumas recomendações de pesquisadoras surdas para te ajudar, como Gladis Perlin, Karin Strobel e Shirley Vilhalva 😉

fundo laranja. Do lado esquerdo, o Hugo e a Maya, com um balão de fala escrito "aprenda uma nova língua com nossos tradutores virtuais.
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