Se você nos acompanha por aqui, já sabe que falamos bastante sobre a comunidade e cultura surda. Hoje vamos mergulhar ainda mais nesse assunto. Acompanhe com a gente!
Para começar, a comunidade surda é composta por pessoas que se identificam como surdas ou pessoas com deficiência auditiva, mas não para por aí! As pessoas ouvintes militantes da causa, intérpretes e tradutores de Línguas de Sinais, CODAs (sigla em inglês para filhos de pai surdo ou mãe surda), amigos e outros parentes, também estão inclusas nesse grupo.
Um fator crucial da identidade das pessoas surdas ou com deficiência auditiva, é que existem as surdas oralizadas, que normalmente utilizam aparelhos ou implante coclear, realizam leitura labial e verbalizam. E as que se comunicam através das Línguas de Sinais, como a Libras (Língua Brasileira de Sinais).
O que caracteriza uma comunidade é a união de pessoas com vínculos culturais semelhantes, com interesses e propostas convergentes. Quando falamos na comunidade surda, ela é bastante abrangente e reúne todas as pessoas que se comunicam por meio de Língua de Sinais e/ou experiências visuais, com histórias e vivências em comum, sejam elas surdas ou ouvintes.
Algumas identidades que também fazem parte dela são:
Identidades surdas ou políticas: são pessoas surdas que optam por se comunicar através da Libras, estabelecem uma convivência entre si e não possuem interesse em aprender a oralizar.
Identidades surdas híbridas: pessoas surdas que nasceram com capacidade auditiva, mas, por algum motivo, apresentam algum grau de surdez posteriormente. Aprendem a Língua de Sinais e aos poucos adentram a comunidade surda.
Identidades surdas embaçadas: pessoas surdas que não aprenderam nem o Português, nem a Língua de Sinais, muitas vezes, por falta de orientação da família. Essas pessoas não estão inseridas nem na comunidade ouvinte nem na surda, e acabam se comunicando por mímicas.
Identidades surdas flutuantes: pessoas surdas que foram muito influenciadas pela cultura ouvinte e querem oralizar, ler e escrever, para fazer parte apenas do mundo ouvinte, não se integrando a comunidade e a cultura surdas.
Identidades surdas de transição: pessoas surdas que desde sempre tiveram a experiência de terem que se adaptar “à força” ao mundo ouvinte. Até que em algum momento, conhecem a comunidade surda e pessoas se comunicando através da Libras. Elas se identificam com o grupo, mas também não deixam de usar o oralismo.
Identidades surdas de diáspora: são indivíduos que costumam se deslocar de outros lugares do mundo, seja de outra região ou país, estabelecendo contato com pessoas surdas de outros locais e que se comunicam sinalizando em diferentes Línguas de Sinais, que não apenas a de sua origem. Caracteriza-se pela sua bagagem cultural.
Identidades intermediárias: pessoas surdas oralizadas, que falam e escutam bem o Português, assim como também possuem o domínio da Libras. Podem pertencer tanto a comunidade surda quanto a ouvinte.
Cultura, no geral, corresponde a um modo de vida de um povo ou grupos étnicos, que expressam de sua forma o seu pensar, sentir e agir. Um sistema de significados, costumes e histórias, que incluem valores, atitudes, objetivos, crenças e por aí vai…
A cultura surda nasceu da comunidade surda, de forma natural e espontânea. São pessoas que possuem a visão como principal sentido para traduzir o mundo. Sua experiência de vida acontece através de percepções visuais, com influência das Línguas de Sinais e das vibrações sonoras, que podem ser sentidas. Você já deve ter reparado que as pessoas que se comunicam através da Libras fazem bastante expressões faciais, certo? Isso porque elas são fundamentais para auxiliar na compreensão da mensagem que está sendo transmitida. Elas também são muito boas em ler essas expressões e identificar sentimentos verdadeiros.
Já a cultura ouvinte, é construída e percebida a partir de vivências sonoras, bem como visuais, na maioria das vezes.
Assim como qualquer cultura e língua, a cultura surda e a Libras não são universais e variam de acordo com a região e país. Isso mesmo! Existem muitas Línguas de Sinais no mundo. No Brasil, a Libras possui regionalismos, ou seja, alguns sinais variam de Norte a Sul. Além disso, ela é uma língua viva e sofre alterações com o tempo, assim como o Português. Isso mesmo, uma língua e não uma linguagem, ok?! 🙂
Outra curiosidade é que as pessoas surdas fazem o batismo de sinais. Isso significa que cada uma ganha um sinal em Libras, que é o equivalente ao RG, ou identidade, um sinal que se refere a este alguém e normalmente está relacionado a características físicas marcantes. As pessoas ouvintes também podem ganhar um sinal, desde que ele seja dado por uma pessoa surda, no tempo determinado por ela. Não é uma prática legal, pedir seu sinal, é importante respeitar o momento certo que ela achar adequado para te batizar.
Até o século XV as pessoas surdas eram globalmente consideradas ineducáveis. A partir do século XVI, teve início a luta pela educação dos surdos. Nela, o francês Eduard Huet fez história e em 1857 foi convidado por D. Pedro II para vir ao Brasil e fundar a primeira escola para surdos do país, que ficou conhecida como Imperial Instituto de Surdos Mudos. Vale lembrar que o termo “surdo mudo” não deve mais ser utilizado e é incorreto. Já a instituição, segue firme e forte até hoje, mas é chamada de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Conhece?
E então, foi em 1880, no Congresso de Milão, um congresso sobre surdez, que o uso da Língua de Sinais foi proibido, pois acreditava-se que a leitura labial era a melhor forma de comunicação e de educação para as pessoas surdas. Pois é, elas foram proibidas de sinalizar e obrigadas a aprender a oralizar e se adaptar à sociedade ouvinte. Isso não as impediu de se comunicar com sinais, mas com certeza atrasou a disseminação da língua e também dificultou o acesso à informação para elas. Aqui no Brasil, foi apenas em 2002 que a Libras foi oficialmente reconhecida por lei.
Vamos pegar a nossa máquina do tempo e nos transportar para os dias de hoje. Em 2015, nasceu a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Uma lei que visa a inclusão das pessoas com deficiência em áreas como educação, saúde, cultura, trabalho etc. Você já ouviu falar em educação bilíngue? Ela garante que mais pessoas surdas tenham acesso ao ensino e ao conhecimento. Neste formato, as crianças adquirem a Língua de Sinais como sua primeira língua e paralelamente são expostas a aprendizagem da segunda língua, que pode ser o Português, por exemplo. Além disso, a estrutura das salas de aula são montadas em círculos, pois isso facilita a comunicação, já que cadeiras em “filas” não são acessíveis. Este método é importante para reafirmar a cultura e as identidades dessas pessoas. Por outro lado, existe a inclusão destes alunos em salas de aulas regulares, porém muitos apresentam dificuldades de acompanhar e produzir nas línguas faladas, principalmente quando não há a presença de intérpretes.
A arte, em qualquer contexto, nasce como forma de expressão influenciada pelas histórias, lutas e costumes que acontecem ao longo dos anos. Para a comunidade surda não foi diferente. Conheça alguns elementos que compõem essa rica cultura:
Artes visuais: teatro surdo, e artes plásticas.
Literatura: produções literárias em Língua de Sinais, produzidas por pessoas surdas. E também as chamadas slam surdas, que são competições de poesias em Libras, ou ainda o Slam do Corpo, criado pela comunidade surda, que é a mistura da Libras com a Língua Portuguesa.
Música: você já viu música em Libras? As músicas nas línguas faladas podem ser traduzidas para as Línguas de Sinais. Isso é um pouco desafiador para as pessoas que fazem a interpretação, pois para passar a mensagem de forma clara, é necessário captar a melodia, a letra e as sensações. Para então, transmiti-la através dos sinais, expressões faciais e movimentos corporais. Algumas vezes também é necessário fazer adaptações nas palavras, para que façam mais sentido dentro da cultura surda. Você pode conferir um super exemplo clicando aqui.
Dança: para dançar no ritmo da música, não é preciso ouvir. As pessoas surdas sentem a vibração e têm percepções visuais dos espaços em que estão inseridas. Assim, entram no “flow”! A dança é uma forma de expressão corporal e inclusão. Existem muitas pessoas dançarinas profissionais, que são surdas! Você pode conhecer um exemplo aqui.
Organizações e associações: aqui entram órgãos de apoio às lutas e que reivindicam os direitos da comunidade surda. Também temos as associações que promovem o encontro e facilitam a comunicação entre essas pessoas. Alguns exemplos são a Feneis (Federação Nacional de Educação de Surdos), a Federação Mundial de Surdos e ASSP (Associação dos Surdos de São Paulo), entre outros.
Produções materiais: soluções alternativas a objetos sonoros como campainhas, despertadores e outros alarmes, transformando-os em objetos que emitem sinais luminosos ou vibratórios para alertar as pessoas surdas.
Muitas pessoas ouvintes às vezes se perguntam “Como que as pessoas surdas acordam sem despertador?”, ou, “Como as pessoas surdas sabem que tem alguém na porta sem a campainha sonora?”, ou ainda, “Como as pessoas surdas fazem ligações?”. Bom, existem ferramentas de acessibilidade para isso! Despertadores e notificações vibratórias, campainhas luminosas, ligações por vídeo e com janela de Libras são apenas alguns exemplos. Hoje a tecnologia é uma grande aliada que possibilita mais autonomia para elas no dia a dia.
Apesar de existirem soluções para a inclusão, ela está longe do ideal e é muito importante que todas as pessoas tomem iniciativas para garantir que elas não sejam excluídas da sociedade. Para isso, a chave é a comunicação! A Língua de Sinais,é um elemento fundamental da cultura surda, assim como a identidade das pessoas que compõem essa comunidade! Por isso, é muito importante que os ouvintes busquem aprender a Libras e se aprofundar nas interações com as pessoas surdas e deficientes auditivas que se comunicam por meio dessa língua. Dessa forma, todo mundo só tem a ganhar!
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